Cama vazia, tempo nublado, olho pro lado e não vejo ninguém. Cabeça doendo, ressaca. Resultado de uma noite de muita bebedeira. Puxo na memória o que aconteceu. Nada vem, decido levantar, escovar os dentes e beber água. Preciso matar essa sede. Chego na cozinha e reparo que na mesa está servido um café, alguém se alimentou e foi embora. Então, estive com alguém ontem. Odeio não lembrar de nada. Tomo café, ligo a TV e começo um exercício de memória. Preciso saber com quem eu fui embora do bar. Aos poucos, vou me recordando. Estava com amigos e bebemos muito. Meu telefone toca, não atendo. Toca mais três vezes, e decido atender. É uma guria louca, que a vida inteira eu fui afim, e nunca me deu bola, hoje, justo hoje, que estou tão bêbado a ponto de não querer ela, só por vingança, ela me liga? Atendo com certa grosseria, um alô seco e rápido. Ela não retribui. É doce, carinhosa e vai direto ao ponto. Quer me ver, quer conversar? Eu não quero. Mas a mente diz uma coisa, a boca fala outra e aceito o convite. Ela passa no bar e me busca. Ainda não entendo como não recusei aquele encontro. Vamos para minha casa. Lembro vagamente da gente conversar. Lembro que estava frio e ela pede emprestada uma blusa. Pego um moletom e entrego. Ainda estou um pouco distante. Um pouco frio e evito contato. Pego duas cervejas, dou uma a ela e fico com a outra. Ela veste a blusa de frio, coloca o capuz sobre a cabeça, ajeita um fio de cabelo que ficou no rosto, morde o canto da boca. Faz isso sem ver que a observo. Tenho que confessar, essa mulher é linda. Aquele gesto dela, meio que faz ir me entregando. Sento ao lado dela, abro a minha garrafa, abro a dela e fazemos um brinde. Ela dá um gole grande, coloca a cerveja no chão e fica me olhando, com um sorriso safado de canto de boca. Ela me quer. Não vou me entregar assim. Pergunto: “O que acontece? A vida inteira eu quis você, sempre fui apaixonado em você, desde a época do colégio. E hoje, do nada, você aparece? Bom dizer, que estudamos juntos desde a terceira série e eu sempre gostei dela. Fomos amigos por muito tempo, mas quando eu contei o que sentia e comecei a investir em alguma coisa, ela se assustou e afastou. Ela ri, porque faço aquela pergunta com um tom ríspido, pareço estar bravo, mas ela sabe que eu não sou assim e acha graça da minha tentativa de parecer ter o controle sobre mim. Ela diz: “homem é um bicho maluco! Por algum motivo, me deu uma saudade da nossa amizade e queria te ver. Não quero nada com você, só conversar”. Então, ela dá o sorriso mais safado do mundo, meio que desmentindo aquela última frase. Eu, vagarosamente, tiro o capuz da sua cabeça, ajeito alguns fios de cabelo atrás da orelha dela e me aproximo. Ela fecha os olhos, esperando um beijo, eu passo de sua boca, e abraço forte e cochicho em sua orelha. “você quer brincar com meus sentimentos. Foda-se, hoje eu estou afim e topo jogar”, então, puxo seu cabelo, trazendo sua cabeça para trás e a beijo. Beijo longo, ela assustada, demora um pouco a entender, depois retribui. Então, morde minha boca, uma mordida doida, parece querer me punir por ter o controle da situação. Então, ela levanta, começa a tirar a blusa de frio e caminhar em direção ao meu quarto. Ela faz isso de forma tão sexy, que eu fico hipnotizado. Sigo-a, acelero, pego-a por trás e passo a mão em seu corpo, da coxa até sua boca, lentamente. E vou beijando sua nuca... Meu celular toca, não é possível, na melhor hora da minha lembrança. Ele toca alto, parece tocar dentro da minha cabeça. Maldita ressaca. Atendo, tentando entender ainda o que tá acontecendo. Ela diz “bom dia amorzinho, viu que deixei café pronto pra você”?. Pergunto porque ela foi embora tão cedo, num domingo. Ela responde com aquele tom de quem acaba de vencer uma disputa. “a gente jogou hoje, eu acabei com você e tirei meu time de campo. Quando eu quiser brincar mais, eu te ligo e você vai estar prontinho pra me atender e me satisfazer”. E desliga o telefone. Sinto raiva, mas acabo rindo da situação, afinal, foi aquele jeito maluco e livre dela que me fez apaixonar. Vou à geladeira, pego outra cerveja, deito no sofá e volto as minhas lembranças. Afinal, não é pra isso que a gente se entrega a alguma coisa? Pra ter boas lembranças e boas historias?
Autor: Luiz Felipe Paz
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