Eram dois amigos inseparáveis. Desde a infância, faziam tudo
juntos. Enquanto ele subia no pé de jambolão, ela ficava embaixo, esperando as
frutinhas. Tocavam campainha e saiam correndo, ele sempre na frente, ela atrás.
Eram vizinho, duas casas de diferença. Ficavam até tarde da noite conversando,
sobre tudo. Só paravam quando a voz grossa, rouca do pai dela gritava “Mariana,
pra dentro, vem tomar banho”. Ela ia e no outro dia, se encontravam depois da
aula, com a galera. Jogavam bete, brincavam de todas as brincadeiras de
criança. Era uma rotina deliciosa. Confiavam cegamente, um no outro. Ele
contava tudo pra ela e vice versa. E assim, foi .Ele deu seu primeiro beijo,
aos 15 anos. Um beijo cheio de dentes, nada de língua. No outro dia, nos
encontros na calçada, na porta da sua casa ele contou pra ela.
-Mari, ontem eu beijei a Fernanda. Nossa, que beijo horrível.
Será que todos vão ser assim?
Ela parou. Alguma coisa dentro dela berrou. Ela gostava da
Fernanda, mas naquele momento, com aquela informação, sentiu raiva. Teve medo. “será
que estou com ciúmes dele?” Deve ser ciúmes de amigo!
-Paulinho, acho que não. É o primeiro, a gente deve ir
melhorando com o tempo. Foi só um beijo?
-Foi sim, o pai dela chegou para busca-la, tivemos que
parar. Mas amanha vou tentar combinar outra coisa com ela.
Mariana sentiu outra pontadinha no coração. “porra, outro beijo?
O que ele viu naquela magrela sem peito?”.
O pai dela grita, e ela, pela primeira vez sente um alivio
por encerrar uma conversa com ele. Se tivesse ficado ali mais um pouco, teria
demonstrado sua raiva com a situação.
Naquela noite, ela não consegue dormir. Um turbilhão de
pensamentos passa pela sua cabeça. Ela nem acha ele tão bonito. Mas ela tem uma
admiração profunda por ele, sua coragem, a maneira como ele sempre protegeu e
cuidou dela. Ela é nova, nunca sentiu aquilo por ninguém, e estava confusa, com
medo de estar confundindo. Tem um medo enorme de estragar a sua amizade mais
sincera, duradoura e a mais bonita. Resolve não comentar. Era o primeiro
segredo entre eles.
O tempo passa o tempo de conversa depois da aula, na calçada
já não é tão frequente. Chegam às provas. Eles precisam estudar. Sentem uma
falta absurda um do outro. Parece que ela não consegue dormir do mesmo jeito,
sem conversar com ele. Ele trazia uma paz, que ela não conseguia em outro
lugar, em outros abraços. Ela tinha nele, naquele grande amigo, um porto seguro
que ela não tinha em nenhum outro lugar.
Eles vão pra faculdade. Paulinho bate na porta de Mariana, a
chama pra conversar na calçada. Estava com saudades dos papos, dela. Eles riam
muito juntos. Conversam sobre horas, colocam o papo em dia. E num desses
assuntos, Mariana repara.
-Paulo, vejo que está mais sorridente do que da ultima
conversa. O que foi?
Ele ri e diz
-É garota, tu me conhece. Mari estou apaixonado. Conheci uma
menina na faculdade. Linda, meiga, inteligente e engraçada. Estamos começando a
sair agora. Não sei se vai dar certo, mas estou muito afim de tentar algo serio
com ela.
O mundo de Mariana desaba. Ela deixa cair uma lagrima.
-O que foi Mari?
-Problemas aqui em casa.
Ela desconversa, entra. Pela primeira vez, entra sem o grito
do pai.
Noite em claro, choro no travesseiro, uma vontade louca de
sumir. Ali, ela toma uma decisão. Ia se afastar, não estava fazendo bem. Ela
gostava dele e não tinha coragem de contar. Tinha medo de ele brigar com ela.
Queria ter a imagem daquela amizade de 20 anos, como algo bom. Ela simplesmente
ia sumir. Afastar. E colocaria a desculpa no tempo, na correria do dia a dia.
Então assim ela faz.
E tempo vai passando, e eles ficam dias sem se falar. Ele
começa a namorar, ela foca tudo nos estudos. Medicina não é um curso fácil.
Quando ela começa a esquecer daquilo tudo. Um ano depois
daquela conversa com ele, a ultima conversa dos dois, está sentada, estudando.
Ouve a campainha tocar. Três toques, como só Paulinho fazia. Ela gela o
coração. Arruma-se rapidamente e sai.
-Uma saudade enorme tomou conta de mim, podemos conversar?
-Logico Paulinho, mas coisa rápida que tenho prova amanha.
Conversam sobre algumas coisas. As coisas entre eles nunca
mudam. Começam a brincar, riem. Ela
percebe que precisa parar se não nunca vai esquecer aquele menino. Tenta saber
como está o namoro dele.
-Paulo, como está seu namoro?
-Então Mari, foi por isso que vim aqui. Eu terminei.
-Por quê? Você parecia gostar tanto dela?
-Porque ela não era você! Percebi, com o tempo, que eu
procurei você nela o tempo todo. Ela não tinha seu sorriso confortante. Ela não
tinha esse olhar que você tem que consegue olhar a minha alma e me entender
como ninguém. Ela não tinha seu abraço, que com dois braços unem nossos
corações e fazem deles um só, por alguns instantes. Ela não tinha sem senso de
humor, sua criatividade absurda. Ela nunca me fez rir, Mari. Nem de cerveja ela
gostava. Ela era uma pessoa espetacular. Mas tinha um defeito: Não era você.
Mariana não consegue esconder o sorriso. Ela vai em direção
de Paulo e dá um abraço longo. O abraço mais demorado entre eles.
-Cara, desde os 15 anos, eu guardo esse segredo comigo. Eu
sou apaixonada em você. Ninguém nunca cuidou de mim e me protegeu, como você. Ninguém
fez meus deveres de matemática ou tocou violão pra mim, na calçada, como você.
Ninguém fez tudo incrivelmente bem feito como você. Só que tenho muito medo de
te perder, se tivermos alguma coisa e não der certo. Como fazemos?
-Tentamos. Desculpa Mari, mas não posso perder a mulher mais
incrível que eu conheci na minha vida. Corremos o risco, mas não é possível que
esse amor, que tenho dentro de mim a 20 anos, tenha se enganado.
Então, ele se aproxima e tenta beija-la. Ela afasta. Ele
estranha, ela ri e diz.
-Se vamos fazer isso, vamos fazer com calma e começar
diferente. Quero que você traga flores e me busque amanhã. Coloque sua melhor
roupa. E no final da noite, se você merecer. Beijamo-nos.
-Combinado, Amanha, as 20:00 te busco.
Ele chega, pegou o carro do pai, ela linda. Saem, comem. Ele
tenta beija-la a noite inteira. Nada. Quando está deixando ela em casa. Ele
tira o cinto e tenta o beijo de despedida. Ela nega e diz.
-Desce do carro, abre a porta pra mim.
Ele acha graça, adora ver ela se divertindo com aquilo. Ele
abre a porta. Ela o abraça, pega em suas mãos e o leva para a calçada, no mesmo
lugar que sempre sentaram.
-Pronto, aqui, no lugar que construímos todo esse sentimento.
Beija-me aqui, na nossa calçada.
E naquela noite o pai dela não grita. Nada atrapalha. Porque
quando é pra ser, até o universo conspira a favor.
Autor: Luiz Felipe Paz.
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